segunda-feira, 31 de maio de 2010

Pingo

Nós os bebés com rinite temos de lidar com dois grandes inimigos: a água do mar engarrafada e o tubinho da narhinel. Quando me levam para a casa de banho e ainda não é hora de chapinhar ou quando me inclinam para trás e não estão com ar de quem vai fazer cócegas no meu pescoço, já está o caldo entornado. Em três tempos, estou esguichado e aspirado.
Desde que entrei na escola que convivo diariamente com isso: temos caixas de tissues espalhadas pela casa toda, não há passeio que dê em que não se leve os lenços de papel atrás e não há conversa com menina no parque que não seja interrompida pela mãe a limpar a ranheta. Haja paciência! Tenho uma reputação a manter... Já tentei enfiar umas ervilhinhas pelo nariz acima para ver se estancava e esfrego a cara com força quando estou mais aflito, mas entra tudo em pânico à minha volta, em círculos, à procura dos lenços, e o nariz continua a escorrer.
Um sítio onde há muita água do mar é na praia. O ano passado eu era pequenino quando fui à praia. Não me lembro, mas tenho umas fotos tiradas com uma toalha, besuntado com creme e a encher-me de areia, e a minha pilinha inchava ao fazer chichi. Depois fui operado à pilinha e já não faço balão. Este ano descobri que não gosto é de estar na relva, que as ervas picam dentro das sandálias.
Tarda nada a malta cá de casa deixa de acordar cedo para ir trabalhar. Posso ser esquisito com relva, mas este ano gosto de areia. Bora lá fazer de croquete?

domingo, 30 de maio de 2010

Rapsódias

Há bebés que adormecem em qualquer lado. A quem se pode mudar a fralda que continuam a dormir. Que mudam de pijama, comem, trocam de quarto, vêm do carro até casa sempre a dormir. Os que adormecem assim que o carro começa a andar.
Eu nunca fui assim. Posso até já ter fraquejado numa viagenzinha maior e ter experimentado umas quantas camas mais exóticas, tipo a masseira do pão da avó, mas não sou propriamente de sono fácil.
Para eu fechar a pestana ou puxam o rabo ao rato ou cantam uma série de canções a que já me habituei.
O pai, por exemplo, canta Xutos. Quando começa o "quero-te tanto" já eu estou mais pra lá do que pra cá. Outro exemplo, a avó: nunca repete o mesmo embalo e normalmente inventa as letras todas para eu me baralhar. Enquanto franzo o sobrolho e tento descortinar que canção é aquela, lá vou ganhando sono...
Já a mãe é mais monótona: sempre a mesma rapsódia.
Primeiro é "Naquela linda manhã". Depois vem "O balão do João", "No alto da montanha" e o "moinho". Depois, a música do Vitinho. E a do Topo Gigio é para terminar.
É certo que às vezes não durmo. E ao fim de duas repetições continuo sem dormir. Mas quando ela começa a cantar Onda Choc pergunto-me se estará boa da cabeça...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Bolhas

Este fim-de-semana trouxe o Bolhas da escola para ficar a dormir em minha casa. O Bolhas é um bocadinho calado. E deve estar de dieta. Não come papa, nem pãozinho... Só uma folhinha do tamanho de um macaco é o suficiente para ele ficar com força. Está sempre naquela banheira de um lado pró outro, de um lado prò outro. Adoro vê-lo, mas também queria brincar!! E, por mais que tente, não consigo tirá-lo da água. Vou a trepar para cima de uma cadeira para lhe pegar, vem a mãe e tira-me. Estou a tentar abanar a estante onde está empoleirado, vem a mãe e põe o aquário em cima da mesa, não vá ele cair!
Depois dizem-me que não tenho vergonha na cara. Bem sei que o pai cora quando corre, o mano corre quando está envergonhado e a mãe cora por tudo e por nada. Mas eu... bem, quando estou a fazer muita força para abrir a cristaleira também coro!
Bolhas, percebes-me? E desta música do José Barata Moura, gostas?
Ajudava se dissesses qualquer coisa... Assim é difícil conversar contigo.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Material

Na minha escola há seis salas com meninos, uma megacasa de banho, um refeitório e um quartinho para os virulentos, que tem pouco mais do que uma cama com grades e meia dúzia de bonecos.
Sou um rapaz forte. Muito forte, até. Eu diria invencível. Um verdadeiro super-herói.
Tão tão perigoso que um dia destes me puseram na sala de isolamento com medo que eu contagiasse os outros com os meus superpoderes...
Ouvi dizer que havia dois meninos doentes, que eu podia ser o terceiro, mas, até ver, safei-me. Também os super-heróis safam-se sempre, não é?
A propósito, mãe, para segunda-feira preciso de uma capa, um sabre de luz, um motor para voar, um manto da invisibilidade e um canivete suíço... err.... foi a professora que pediu.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Segredos de beleza

Hoje a mãe pôs caracóis no cabelo. Sou franco: mais parece o caniche do senhor que desce connosco de manhã, que ladra muito e anda às voltas como um maluco dentro da garagem. A mãe paga à Cristina para ela lhe fazer essas coisas para dar muito volume e coisa e tal, mas quando eu lá vou só consigo trazer o cabelo curtinho e uns penachos no ar.
Cá em casa, o único que não vai ao cabeleireiro é o pai. O pai é ao contrário: quando a mãe lhe corta o cabelo é porque é ele que está parecido com um caniche. Então a mãe põe-lhe uma coisa à volta do pescoço e corta: é fácil, fica tosquiado e não gasta moedas.
É no cabeleireiro que a mãe também pinta as unhas de vermelho. Eu não gosto de cortar as unhas. Mesmo se as pintasse de vermelho, odiava.
Um dia destes a mãe conseguiu segurar-me a cortar as unhas enquanto eu via os Simpsons. Não ligo nenhuma àquela televisão, mas achei piada àqueles senhores amarelos e não gritei tanto como de costume.
Queria tanto que da próxima a Cristina pusesse os meus penachos azuis, assim como os da mãe daqueles meninos! E já agora que alguém me desse um caniche, como o do vizinho.

Relatório de avaria


Queridos senhores da assistência técnica dos carros de fórmula um,

Olá, tá tudo bem?
Eu sou o Riq. Hoje parti uma roda ao meu carro preferido. A mãe acha que a coisa se resolve com um bocadinho de super cola 3, mas a mim parece-me mal. Daí que se faz favor os senhores mandam vir o reboque para o levar, está bem?
Depois o pai paga, que a mãe hoje fez muitas compras e não deve ter moedas.


Sinceros cumprimentos. E pimentos. (Desculpem lá, estou sempre na galhofa.)

Riq

PS - Na foto, o triciclo, a bola grande, o balão-a-que-não-ligo-nenhuma e o meu fórmula um.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Palavras

Não consigo falar. Quer dizer, falar até falo, mas ninguém me percebe. É uma chatice admiti-lo, mas é a verdade. Eu até posso achar que digo umas coisinhas, mas, quando chega a hora da verdade, caput!, ninguém chega ao que eu quero.
Pedir água quando chego a casa ainda vá que não vá: é agarrar no dedo indicador mais próximo (os crescidos têm sempre um dedo grande para a gente agarrar) e puxá-lo até à cozinha, ao pé do meu copo, e dizer "aba". Fácil, né?
Agora experimentem dizer "nhanha" quando estão na casa de banho e hão-de ver se alguém vos dá papa. Ou "táta" quando acabam de acordar e ver se alguém se digna a ir dar-vos banho... E a fralda suja? Como explicar que tenho a fralda suja, quando a sopa não é de alho-francês e estamos ao ar livre?
É das coisas que mais me custa: não conseguir fazer-me compreender. E tão bem que falo aqui enquanto escrevo...
Tudo parece uma fase. Não que queira abusar, mas se alguém me desse um computador como o do mano, com um botão de ligar e desligar, um rato com aquela luz azul brilhante, um teclado assim para eu bater e uma cadeira que gira como a dele... enfim, talvez ajudasse.

domingo, 23 de maio de 2010

Trincos

Os armários da cozinha estão cheios de loiça para eu partir.
O enfermeiro Valente (é o que dá as picas lá no centro de saúde) sempre que me vê diz "olá baixinho!", mas o certo é que um dia destes ganhei crescimento suficiente para chegar ao espaço das batatas e das cebolas e dos alhos. Então a avó disse prò ar que "ele um dia destes ainda vai comer as batatas e as cebolas e os alhos!" e ajudou a mãe a pôr os cestinhos noutra prateleira substituindo-os por brinquedos e panelinhas e livros com que posso brincar.
Vendo que eu era forte o suficiente para abrir a gaveta dos tupperwares, a mãe disse que "não faz mal" e deixou-me tirar uma a uma todas as caixas e espremedores e tampas de cores diferentes e tão levezinhas que tem encaixadas lá dentro. O certo é que, por muito que goste de as espalhar pelo chão, nunca consigo voltar a metê-las na gaveta. "Juro, mãe, TÊM de inchar!"
Agora, ao tempo que eu consigo abrir aqueles armários que têm aqueles pratos pesados amarelos! E eles ainda não vieram pôr fechos do Ikea nem fica-cola castanha! Ainda não os preencheram com os meus brinquedos. Nem sequer tiram a loiça... Só posso deduzir que lhe posso pegar... e partir.
Enfim, adiante. Um dia destes faço.
Agora: técnicas para trepar para dentro do tambor da máquina da roupa, alguém tem?

Trabalhos de casa

O livro do Dodi e da Primavera não presta. A Sandra - é a minha educadora - vai ficar triste comigo quando eu devolver o livro à biblioteca, mas não sei como dizer isto de outra forma: o livro está estragado. Não desliza.
Ando muito cansado com os meus trabalhos. É certo que durmo bem, mas todas as sextas-feiras levar um livro para casa cansa! Eu tenho de o ler “Mas eu quero o outro, mãe”, analisá-lo, “não gosto deste!!!!!”, e escrever alguma coisa numa ficha de leitura para os outros meninos lerem também depois.
No meu cesto dos livros tenho muitas histórias que simplesmente adoro. Por exemplo, a do patinho Afonso, que tinha medo de arriscar, mas veio a mãe e ele conseguiu nadar; ou do cãozinho Vicente, que se sentou como a dona disse e recebeu um osso de presente; ou do Matias, um gato com coragem que subiu através da ramagem...
Enfim, tudo boas histórias, que rimam, têm amigos coloridos e... movem-se com facilidade no soalho flutuante.
Bem sei que gosto de livros, mas lê-los por obrigação é uma chatice.
Os meus, mesmo meus, ao menos, deslizam.

sábado, 22 de maio de 2010

Pai Natal

Diz o pai que às vezes quase parece que não sou eu que escrevo estas coisas. Mas quem é que havia de ser? O Riq, claro, o rapaz mais esperto do mundo...! Porque comi muita papa e peixinho, e dormi uns soninhos grandes, e li muitos livros, que toda a gente sabe que ajuda a escrever bem.
É que o ano passado tive um pequeno problema com a carta do Pai Natal. Ele não me deve ter percebido, e eu fartei-me de receber camisolas. Dizia assim:
Qrido pai natal
Atão, tudo bem?
Eu não te conhecho, Pai Natal, pois é, mas dichem que tu és como che foches da casa - às veches, dichem pra não falar com echtranhos, outras veches dichem pra falar...
Um dia dechtche já não dichem "que bom" ou batem palmas s'eu arrotar ou ficher
um cócó lindu... Váche lá perchber os grandech...
Dicheram que qurias falar cumigo... por causa que tinhas umas prendas q'ias dar à malta. Eu qrer, qrer qria váriach coichas (Mãe, deicha-me teqlar, não venhach achoar-me agora!), como aquela qoicha azul q'o mano tem nas mãoch e q'eu gochtava de mordere, mas tens que ver che a tua mamã te deu dinheiro de chega prós meus pedidos.
Livroch. Gochto muito de livroch com hichtóriach chimples e boach imagens. O Pai deu um livro de banho q'é um crocodilo que também é fantoche q'é muita fiche. Che
quizeres, dás um e os papás depois leeeemme - chabes, já conchigo lere mas pronto, é pra eles não fiqarem trichte d'eu cher tão crechido.
Echcusas de perguntar aos papás se me portei bem. Portei sim (Porque é que tás a fazer echa cara, Pai? Não fui eu quem roeu o teu telelé...). Atão não se vê que já tenho quase quatro dentes? Chó os meninos bem portados é que teeem tantoch... E já conchigo gatinhar, pôrme de pé e comer a chopa toda (às veches). Che isto não é cher bem portado...
Quando vieres cá tracher a minha prenda, a mamã dá-te papa - quer da de perach, é doche - ou umas bolachas e depoich brincamos um bocadinho.
Agora, adeuch. Tenho d'ir dormir um cadito, só prós papás ficarem contentes.
Bons sonhos
Henrique


De gritos, né? Eu até escrevi só porque o pai disse que sim, que era melhor jogar pelo seguro e, zás!, fartei-me de abrir embrulhos com uma catrefada de roupa que agora, eu bem dizia que não era preciso, já não me entra na cabeça! Bem sei que a carta tinha alguns errinhos, coisa pouca, mas, bolas! livros, só um! E eu nem muitos meses tinha! Disse então à mãe "já que só vais trabalhar à hora do lanche, podes ensinar-me a escrever umas coisas". Ela disse que sim e eu tenho escrevido. Bem como tudo. Cada vez mais bem escrevido. Não posso correr o risco de no Natal ele não me perceber outra vez.

E tu que estás a ler, sabes que mais? Picas. Se fosse a ti cortava a barba.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Papa

O carro que está à frente do restaurante não precisa de chave. O avô põe uma moeda e lá vou eu, um verdadeiro piloto, a andar prà frente e pra trás a dizer adeus ao avô e à avó e à mãe e ao pai, que olham para mim tipo multidão a olhar prò Papa.
Nunca percebi porque é que se chama Papa a um senhor que nunca se vê comer nada. Se queriam mesmo usar a comida, deviam chamar-lhe Carninha (a mãe está sempre a dizer que a carninha é importante) ou Batatinha, como o sr. doutor palhaço que vai ao hospital - aquele carro branco mais parece uma ambulância, não é?
Quando o Papa andou de ambulância na Segunda Circular, o mano só chegou a casa duas horas e meia depois de terminar a escola - ele estuda no Restelo - porque teve de esperar que o Papa passasse, que é o que acontece quando a mãe se engana e põe a sopa tempo a mais no microondas. Ou espera ou sopra para arrefecer.
Como o mano se atrasou, lanchou tarde, não teve tempo para fazer os trabalhos todos e, claro, quando se foi deitar, já era tarde para ele. A essa hora, o Papa ainda devia estar de volta dos doces, que li no jornal que ele é guloso e é à noite que a mãe diz que sabe bem comer chocolates.
Eu também gosto de doces. Nunca provei chocolate, mas adoro papa.

Aposto que o avô Armando me arranja uns batedores prò meu carro.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Berloques

A mãe gosta de fazer bolos. No Natal fizemos estrelas.
Tenho as gavetas cheias de roupa marcada com estrelas. A mãe, quando recebe os sacos - caixotes, às vezes - agradece, diz que vai dar muito jeito e coisa a tal, e não lava nem arruma peça nenhuma sem antes se sentar no sofá da sala a marcar tudo com linhas de cores diferentes consoante quem tiver emprestado. Se ela me perguntasse, eu ajudava-a e ela escusava de ter todo esse trabalho.
Não sabes a quem devolver as T-shirts que não têm etiqueta? É fácil, pertencem aos alérgicos dos primos! Há dois pares de camisolas interiores com macacos iguais, mas numa são verdes e noutra, azuis? Pra quê assinalar a amarelo quando se vê logo que pertencem aos gémeos? Noventa por cento das camisas são do Joãozinho, os sapatos com berloques, daquela tia do menino que não gosta de camisas, e por aí adiante...
Claro que, face a esta minha estrondosa memória, há sempre quem baralhe o esquema. De que rapaz serão, meu deus, que vergonha!, os soquetes cor-de-rosa? E quando é que percebem que eu definitivamente não preciso daquele babete às flores? Obrigada, pode devolver-se... E as camisas com golas debruadas? Mano, tu não vestias aquilo, pois não?
Vasculhando bem, parece que meu-meu SÓ tive ao longo da minha vida uns cinquenta pares de calças, outras tantas T-Shirts e uns inenarráveis collants lilases que a avó comprou na feira.
É pouco, mas dá prò gasto. Aos que emprestaram, a mãe agradece.
E se passarem cá por casa pode ser que vos faça um bolo.

Colos

O meu avô e eu temos uma relação muito especial. Eu digo "anda" e ele vem, eu abraço e ele abraça, eu choro e ele abaixa-se, eu agarro um livro e ele lê. É capaz de ficar sem lanchar para brincar comigo. Consegue dar colinho o caminho TODO! da escola até casa... Claro que todos os outros crescidos fazem muitas coisas quando eu peço, mas este avô tem qualquer coisa especial.
Ele vive em Lamego com a avó que faz a papa mais deliciosa do mundo - desculpa lá, mãe, mas é a verdade -, mas que tem a mania de me pôr a dormir e de me mudar a fralda quando eu estou evidentemente ocupado a jogar à bola no corredor.
Tenho mais dois outros avós, que estão agora a tratar da horta, e de vez em quando também vêm ter comigo. A avó dá muita roupa e vem tratar de mim já com a papa pronta nas panelas cheias para não ter de se afastar nem um minuto para ir cozinhar. O avô está sempre à espera que eu lhe peça qualquer coisa para ele me comprar e tem, enfim, uma esperançazinha de que eu seja benfiquista.
Quando a mãe e o pai me deixam na escola a correr, a tempo de eu cantar o bom dia e comer a frutinha do meio da manhã e tudo, começa a cheirar-me a esturro. Hoje por acaso a avó queimou o arroz, mas não é só nestes dias. Quando eles andam a correr, sobra sempre para mim. Significa que andam com muito trabalho e que não me podem ir buscar ao fim do dia...
Na maioria dos casos, quando chega a minha hora do cocó depois da sesta, em vez do pai e da mãe, vai-me buscar um destes quatro "criados", que passam o resto da tarde ao meu serviço, a ler, a brincar, a ir ao parque e a deixar chapinhar tudo no banhinho, sempre com paciência e sempre a sorrir. Eu gosto, ando mais exigente, mas também mais feliz.
Afinal, estão a "estragar-me" porquê?

terça-feira, 18 de maio de 2010

Gigantes


Tenho a biqueira dos sapatos descascada. É o preço a pagar por chegar mais rápido às coisas de gatas que a caminhar.

O sítio onde a mãe e o pai guardam a graxa dos sapatos tem quatro gavetas. Na primeira, há fitas, ráfia, cordões, laçarotes, tudo com caixinhas de metal a separar cada uma das categorias. Na maioria dos casos, na caixinha da ráfia, há fitas; na caixinha das fitas, há cordões; e por aí afora... (sim, pode dizer-se por aí "afora", que foi a mãe que me ensinou e está bem dizido).

Na segunda, há graxa, escovinhas, trapos. Na terceira há cintos, fichas triplas e extensões.

Na quarta gaveta há um segredo.

Estão a ver as caixinhas dos activadores do detergente para a máquina da loiça? ou as embalagens de metal da pasta de atum que o mano põe no pão que leva para a escola? Pois é... a quarta gaveta esconde o segredo mais bem guardado desta casa. Está cheia destas caixas com comprimidos que dão energia, vida, alegria!, a quem os tomar. Há os pequeninos, que se metem no meu telemóvel de brincar e o fazem funcionar; há os maiores, que não só fazem o comando funcionar como dão gasolina ao meu automóvel e pujança para ele apitar; e os maiores de todos, certamente para os meninos gigantes, pois por muito que os tente meter na minha boca não me parece que os consiga engolir.

Por falar nisso, volto já.

...

QUEM É QUE ESVAZIOU A MINHA QUARTA GAVETA??!

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Simão

A mãe adora ir ao cabeleireiro. O mano adora ir aos treinos. O pai adora ficar sentado na sanita a ler. Eu adoro fazer corridas dentro do cesto da roupa suja.

Cada um tem a sua mania. Mais ou menos...
Ontem conheci um pássaro com uma esquisita. Vou chamar-lhe Simão porque é o nome do meu primo que fazia anos ontem. E vou contar-vos.

A mamã trabalha num sítio onde passa a vida a ler. Para casa, traz jornais e revistas, que, na maioria dos casos, acabam na casa de banho para entreter a comunidade. Quando alguém lê muitas revistas seguidas, é sinal de que a janela da casa de banho tem de ficar aberta um bocadinho para arejar.

O Simão devia andar a passear por estas bandas, cá por Odivelas!, para procurar casa pra morar, ou assim - que é por isso que as pessoas que não moram cá andam por aqui a passear -, aproveitou a janela aberta e resolveu entrar. Escondeu-se por trás do poliban, mas pela calada da noite, pelo que vi, esteve na sala, por certo a entreter-se com o Panda, e quando reparei já eu estava pronto para ir prà escola, de bibe e tudo, e ele a tentar ir-se embora. Se tivesse pedido, a malta tinha ajudado, mas quando demos conta já o Simão se atirava violentamente contra tudo o que era parede e janela, na esperança de sair. Eu bem que lhe dizia que "Tu magoas-te, Simão!", mas ele atirava-se, pás!, e caía ao chão. Recompunha-se, voltava a voar, e zás!, pum!, chão. Até que a mãe, que entretanto andava em círculos e guinchava e tentava abrir as janelas todas e agarrava-me para eu não me magoar, "Deixa, mãe, isto é divertido!", conseguiu pôr o Simão na varanda.
Bem tentei ver pela janela se ele ainda lá estava, mas o Simão fugiu muito antes de eu ter tempo de brincar com ele.

E um cão, mãe? Posso ter?

domingo, 16 de maio de 2010

Guis

Quando a minha mãe veio viver com o mano para Odivelas, tinha uma cozinha pequenina, tipo corredor, onde punha umas plantinhas. Como eu ainda não existia nessa altura e ela não devia ter com que se entreter, todas as plantinhas tinham nome de bolacha. Havia uma salseira chamada Maria, uma borracheira chamada Artiach e outras tantas com nomes tipo Triunfo, Tostada, Oreo, e uma Nabisco que já não me lembro o que era.
Depois eu nasci, né? Já vos contei que aqui a cozinha é diferente, já cabem duas ou três pessoas em simultâneo sem ser preciso tirar o triciclo do caminho (e o meu parque, e os meus livros, e a cadeira onde como, que também tem uma mesinha, e os meus tachos). Mas agora a mãe não tem tempo para dar nomes às plantas. Não percebo bem porquê, pois até me porto bem e sou giro e tudo... Vai daí, agora cá em casa só se põe nomes nos bonecos. Exemplos.
Há o Tolo, que é um automobilista que conduz o meu fórmula um preferido; há o fantoche Basílio; há o Inácio, um boneco que a mãe fez quando estava a forrar umas almofadas para a sala e descobriu que eu ficava doido com o padrão do tecido...
Todos os meus bonecos têm mazelas, acho que é por não sermos ricos. O Tolo só faz barulho quando lhe apertam a barriga de mola, quando é mais do que evidente que, se tem um obstáculo à frente, tinha mais é que apitar sozinho. O Basílio é um pinguim que está nitidamente avariado: precisa o coitado do mano de pôr a mão dentro do pêlo para o boneco funcionar e mexer e coisa e tal e dizer olá (por falar nisso, aposto que a mãe o pôs a lavar outra vez, que eu não o vejo). Já o Inácio, desde sempre tem uma hérnia, causada pelo mau enchimento das almofadas que a mãe usou para lhe pôr na barriga.
O meu vizinho da frente, que nasceu estava eu a fazer um ano, um dia destes há-de conhecer esta malta toda. Chama-se Gui. A minha tia e o meu tio também vão ter um Gui, que vai nascer quando a tia deixar de estar barriguda.
Se me estragam os brinquedos, levam.

sábado, 15 de maio de 2010

Às flores

Quando choro à noite, a mãe vem e muda a fralda e dá palmadinhas no rabo. O pai vem e dá um biberão.
Quando não resulta, a mãe dá um biberão. O pai dá outro biberão.
Como cuspo a fruta, a mãe vem e dá-me peças inteiras num pratinho com um dragão, para eu fingir que brinco e lá vou trincando e amassando. O pai não desperdiça: se eu não como fruta, não dá fruta.
Quando faço birra, a mãe diz que já não me pode ouvir. O pai fica sem pequeno-almoço até ao meio-dia só para me ajudar a brincar.
Quando sorrio, ambos olham para mim e dizem que sou lindo. A mãe costuma perguntar se lá do sítio de onde vim havia mais iguais a mim ou se só eu sou o mais lindo. O pai continua a sorrir.
Quando faço um cocó, a mãe unta tudo o que é rabinho lindo com Bepanthene se o rabinho estiver bem, Cicalfate se o rabinho estiver assado e Halibut se estiver assado e já tiver metido Cicalfate mais que duas vezes no dia. O pai põe a pomada que houver; e pouquinho. O mano não muda a fralda.
A mãe sai e vai ao café comigo com a roupita toda a conjugar. O pai vai à rua e ao jardim. E foi ele que tirou a foto.
Como não gosto de xarope, a mãe segura, inclina, entorna três vezes, fica vermelha que nem um pimentão e faz-me engolir. O pai não entorna para não desperdiçar e faz-me engolir.
Quando vou dormir, a mãe não está. O pai primeiro está; depois, deixa-me sozinho com as estrelas do tecto.
A mãe tem a mania de usar palavras caras quando me põe a falar de mim, pela boca dela, com o mano. O pai treme sempre que a mãe fala a palavra "cara".
A propósito: alguém me explica o que quer dizer "ecléctico"?

Goalball

Hoje o meu mano saiu de casa cedo para ir jogar goalball.
Na minha escola, há meninos que dormem no mesmo quarto que os irmãos. Há meninas que vestem a roupa das irmãs. Eu e o meu mano temos outras coisas em comum. Entre elas, partilhamos uns genes meio prò escangalhado que nos fazem ver um bocadinho pior que os outros meninos.
Quando comecei a usar óculos, o mano queria que me tirassem da cara estes aros azuis que me fazem ver tão bem - dizia que eu ficava mais bonito sem eles -, mas agora já se habituou e gosta de me ensinar que, por não vermos o mesmo que os outros meninos, podemos fazer coisas bem diferentes. Por exemplo, o mano gosta de andar em casa às escuras: não é giro andar sem tropeçar e sem ver nada, só porque sim? Depois, ouvir, e não ver, televisão tem a vantagem de podermos fazer outras coisas enquanto dão os desenhos animados!
Tenho a sorte de ter nascido 13 anos depois do mano e de os senhores doutores de Coimbra me conseguirem tratar melhor do que conseguiram fazer com ele. Ainda assim, eu e o meu mano vemos um bocadinho mal. Mas ele é o melhor jogador de goalball do mundo.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Filmes

Na minha casa, bate o sol de manhã. Quando não se fecham os estores, passam uns filmes na parede da minha sala. Às vezes, aparecem até uns quantos animais esquisitos tipo cobra, coelhinho ou cão, mas esses - devem achar que eu tenho medo deles! - é só quando alguém está por perto.
Quando faz vento, em alguns dias, surgem umas luzinhas tipo efeitos especiais espantosas que eu tento explicar à malta. Tremelicam, são tão brilhantes! Mas desaparecem quando a mãe usa o balde de água que está ao sol para regar as plantas. Era por estas e por outras que eu seria capaz de ficar horas a tentar caçá-las para as mostrar aos meus amigos da escola.
Ninguém iria acreditar aquilo que só eu sei: há alguém a querer brincar comigo naquela varanda...

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Infectário

Isto de gostar de estar com os outros meninos tem os seus quês. Antigamente eu não os conhecia, certo? Como poderia ficar com uns miúdos desconhecidos, com uma adulta desconhecida que me cantava canções (afinada!) que eu nunca tinha ouvido num espaço que eu não conhecia? E onde raio se escondia a mãe e o pai durante aquelas horas, dias que ia jurar que eram semanas sem noites, em que me abandonavam com uma cambada de gente mais alta que eu? É que, nesta altura, mais percentil menos percentil nota-se! Depois, a avó dava roupa gira (ela compra muitas coisas para eu me poder sujar à vontade) e eu vestia-a na esperança de impressionar lá no colégio. E eles, zás!, obrigavam-me a vestir um bibe ao xadrez que não só tapava a 'T-shirt' do Noddy como me impedia de mostrar a minha veia artística com uma técnica que eu próprio inventei de pintura de papa, e que eu poderia fazer à hora de almoço, sem a mãe ver. Qual giro qual carapuça! No prazo de uma semana, tinha-me tornado num menino igual aos outros, mas sem a mãe e o pai por perto.
Vai daí, resolvi gritar todos os dias à chegada e choramingar todos os dias à saída. Se é certo que quase tudo na vida se consegue com birras, estava a ver se a mãe guinchava um alargamento da licença de maternidade dela em frente à Segurança Social, que eu não me importaria nada de ficar em casa mais uns meses a ler livros.
Mas o que aconteceu é que a malta não se comoveu e passou àquilo que eu vi logo que era o plano B: à porta da creche, zuca!, fugiam da minha vista, e quando eu olhava para o 'Bolhas' (é o peixe lá do colégio) - para ver se ele estava vivo, e coisa e tal, e as bolhinhas - já eles se tinham escapulido deixando-me no meio dos vândalos.
Claro que vocês não sabem, porque não me conhecem, mas eu sou esperto também, do mais esperto que apareceu na colheita de 2009, e tratei de arranjar o meu próprio plano B. Transformei o infantário num "infectário" e passei a adoecer a cada três dias: dois dias doente, um dia de creche, dois duas doente, um dia de creche. Remédio santo! Passava mais tempo em casa que na escola, e a missão estava cumprida.
Claro que a mãe e o pai andavam podres, e o mano não me podia ouvir, mas vi a pediatra mais vezes num mês que em toda a minha vida, apareceram os avós para cuidar de mim semanas seguidas, pegavam-me ao colo 500 vezes por noite para ver se eu não me engasgava... foi uma felicidade! Por isso não percebo porque é que, passado algum tempo, a coisa mudou, mas o que aconteceu é que mesmo com tosse ia à escola.
Bem vistas as coisas, quer eu fosse quer não fosse ao colégio, os meninos estavam lá sempre. Então comecei a achar que era engraçado poder brincar com eles, e deixar que eles me arrancassem os óculos, e comermos juntos com as mãos, e chorarmos todos ao mesmo tempo para a educadora se passar... E querem saber? Agora até acho giro! Tenho trabalhos para fazer, livros para roer, filas para ir para o refeitório, tantas regras! Mas gosto! E o bicho que volta e meia ainda me faz andar doente já pode ir para casa dele, sim? Vírus inteligentes percebem quando estão a mais, e eu agora já não preciso, obrigada, mas passem bem.
Perceberam??!

Pronto

A minha mãe tem a mania de passar a vida a querer fazer coisas com pouco dinheiro. Guarda tudo o que eventualmente possa servir para alguma coisa e reaproveita ao máximo tudo o que há a reaproveitar. Como gosta de plantas, metade feitas a partir dos caroços da fruta que eu me recuso a comer, tem uma trabalheira desgraçada para mantê-las bonitas.
Nós vivemos num oitavo andar e o nosso jardim é, afinal, a nossa varanda. A horta (em que ela tenta plantar coentros, salsa, tomate, tomilho, abóboras!) são, afinal, alguns vasos mal semeados com uns repuxos verdes que eu aposto que vão parar à minha sopa, mas que, enfim, lá conferem o tom verde à fachada mais bonita da rua.
O objectivo "plantas" começou quando, andava eu na barriga da mãe, ela, o pai e o mano se mudaram de uma casa pequenina e húmida na zona velha da cidade para aquilo que o mano chamava de "palácio". O facto de serem mais alguns metros quadrados de soalho flutuante e de a casa ser a estrear ajudou a que todos andassem uns tempos deliciados com cada centímetro da casa (daí o palácio). Entretanto, já lhes passou e já se queixam do espaço que os meus brinquedos ocupam.
Este apartamento tem, contudo, um senão. Uns 10 cm entre a barreira de vidro da varanda e o chão fazem a mãe recorrer ao parque sempre que se lembra de um dia em que, na casa antiga, uma lata de 'Pronto!' caiu sobre a cabeça de um senhor que ia a passar e quase o matou, e fizeram-na decidir que, antes de eu andar, teria de ter essa zona "forrada" a vasos. Claro que a estratégia da mãe resulta e eu, bolas!, agora tenho uma trabalheira desgraçada se quiser enfiar os legos pelos buracos e não consigo atirar as molas da roupa sobre os vizinhos que vão pôr o lixo no contentor. Até ao dia em que tenha força para arrastar os vasos, que é para isso, afinal, que se come a papa.
Com a mania das ecologias, a malta cá de casa não desperdiça sequer a água fria do início do banho. Enquanto aquece, vai-se enchendo um balde, que depois serve, está-se mesmo a ver... para regar as plantas. Depois de uma interdição inqualificável de quase ano e meio, há cerca de um mês a mãe começou a achar que a varanda já estava suficientemente segura para eu ir lá para fora regar com ela, e isso é algo que simplesmente adoro! Chapinho no balde, como terra, arranco as flores mais bonitas (que as secas picam!) e, melhor que tudo, entorno para cima de mim tudo o que é bacia com babetes de molho que andem por lá a incomodar. Agora digam lá: se é mais que certo que o faço de livre vontade e até está o seu solzinho, por que raio me tiram eles a roupa quando fico ensopado?

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Pantagruel

Sei que pareço pequeno, mas, na cozinha, já faço as minhas experiências. Como sou um menino muito organizado, em Dezembro passado compilei as melhores receitas da minha família e dos meus amigos num pantagruel à minha escala e ofereci-o a uma data de malta por ocasião do aniversário do Menino Jesus. Ficaram todos deliciados a dizer que eu era lindo e coisa e tal, que tinha ficado tãaaaaaao giro nas fotografias – pois claro que sou giro! – e, o melhor de tudo, encheram o meu sapatinho de Natal com imensos livros e outras prendas que me tenho entretido a desmontar e destruir nos últimos meses. Estou tão contente com o resultado que ando até a tentar que a mãe me ajude a reunir novos êxitos culinários para nova publicação. Não que não consiga sozinho, mas preciso sempre de algum auxílio na detecção das palavras esdrúxulas e a dobrar os acentos circunflexos - isso dá trabalho! -, e a mãe nisso é boa. Até lá, vou aproveitar para vos deixar algumas receitas que estão nesse livro. Como esta, por exemplo:


Tronco de chocolate do papá (receita da avó, revista e experimentada por toda a malta com mais de 15 kg cá de casa)
6 ovos, 150 g de açúcar, 150 g de farinha+fermento... para a massa
Raspa de limão, 4 colheres de sopa de farinha, 150 g de chocolate, 1 chávena de leite, 1 colher de sopa de margarina, 4 colheres de sopa de açúcar... para o recheio

Bato as gemas com o açúcar. Junto a farinha e depois envolvo cuidadosamente as claras em castelo. Deito num tabuleiro bem untado e levo ao forno para cozer. Entretanto, faço o recheio numa frigideira, juntando todos os ingredientes e deixando engrossar em lume brando (uso um banquinho para chegar ao fogão sem me queimar). Normalmente, quando o recheio está pronto, já a massa está cozida. Viro o tabuleiro sobre um pano polvilhado com açúcar, desenformo e barro com o chocolate (chamo o mano para rapar do tacho o que sobrar). Enrolo com a ajuda de um pano, ponho o pano numa bacia para a mãe o lavar, e já está.

PS – Queremos tronco de chocolate, e já! Ass: Futuro presidente do Partido das Tortas, incompreendido, ostracizado e obrigado a comer fruta passada a todas as refeições...

Mensagem 1

Hoje não chorei ao chegar à escola. É uma complicação pegada. Por um lado, aqueles meninos todos: não dá pra resistir. Gosto e anseio pela companhia deles. Por outro, a mãe. O pai. O mano. Os livros que há em casa. E o tempo todo da mãe, do pai... E todos os livros que há em casa só pra MIM.
Nasci há uns tempinhos já, mas para dormir ainda me falta treino. De vez em quando (umas duas vezes na minha vida, creio), já me esqueço que devo gritar de tortura todas as noites, várias vezes por noite, para fazer a minha mãe e o meu pai (quais monstros de halloween saídos da cama sem sorriso – estarei a perder a graça?) enfiarem-me um biberão de leite pela goela abaixo. Como tenho tosse, vomito. Antes, bolsava. Agora, vomito. Não é óbvio que vomite se tenho tosse e acabei de mamar? Porque resmungam eles com a vida, a roupa para mudar – sabe tão bem uma cama lavadinha! – e o sono? Eu deito-me cedo, a essa hora estou fresco! Porque não fazem eles o mesmo?
Tento também explicar-lhes coisas simples tipo: estou farto de sopa e o que eu queria mesmo é que me dessem bacalhau à brás todos os dias, o leite-creme em vez da fruta também marchava e talvez se dormisse com eles não resmungasse tanto enquanto eles querem descansar. Mas o certo é que não me percebem. Como não me percebem, cuspo. Aprendi no colégio a fazer uns jactos fenomenais, fica tudo salpicado à pistola, um efeito giro até. A mãe, chata como de costume, não gosta e limpa logo com rolo de cozinha, grita pelo detergente xpto que não causa alergia aos meninos e desinfecta e o diabo a quatro para podermos fazer toda a javardice sem morrermos intoxicados com a desinfecção. Depois, enfia-me na banheira, mas eu tomei banho ontem!, e quando eu até estou a achar piada à brincadeira – à baleia, ao caranguejo, à bola colorida que roda com a água – tira-me e seca-me à velocidade da luz, porque afinal é de manhã e não há tempo para chapinhanços! Decidam-se!
Quando acordo às seis da matina, não é óbvio que queira ler um livro? Para quê descansar em frente a uma chávena de café quando passámos as últimas horas deitados no colchão? Há tantos cartões giros para indicar o cão, ão-ão, o carro, pó-pó!, o gatinho, miau!... E, quando eles não estão com ar de mortos-vivos em frente ao pequeno-almoço, estão a ver se me preparam para irmos prà escola. Sem stress, malta! Há tempo! Se não se limpar agora, há-de haver alguém que limpa! Afinal, quando regresso está tudo arrumadinho, né?
Há coisas que eles simplesmente não percebem. E eu, quase fluente neste língua que a minha mãe aprendeu a esmiuçar, não me consigo fazer compreender. Daí ter criado esta página. Talvez assim resolva este pequeno problema.Um abraço.