sábado, 31 de julho de 2010

Perspectiva

Porque é que eu não ouvi o que eles disseram? Tantas vezes, "não é pra roer, não é pra roer", e eu devia saber que ia dar nisto... Porque não pensei antes? Merecia um dia inteirinho sem ir à rua. Ou talvez não. Ficar sem a fruta, vá, que faz bem e essas coisas todas. Era isso que eu merecia, de castigo, ficar um dia inteiro sem fruta. O que fazer agora? Não há nada a fazer... Quando dei por mim, já tinha dado cabo de tudo.
Agora que fiz asneira ao roer os óculos, não sei como resolver. Acho que dá para ver pela foto: em cima das pálpebras, nada daquilo é sujo, nem restos de papa. Quando olho para o céu, mesmo quando está limpo o céu, vejo tudo às pintinhas, aos tracinhos...
Pois, preciso de lentes novas. E já ouvi a mãe marcar a consulta em Coimbra. E lá vai começar tudo de novo. Primeiro é uma consulta que não dói nada, as gotas que não doem nada, depois uma operação que não dói nada... Bolas... Onde estava eu com a cabeça, digam-me. Onde???

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Sons

Sempre gostei mais de música do que de filmes. Não é por ver mal sem óculos; apenas uma questão de treino.
Experimentei o piano da prima um dia destes. Com a chucha na boca, porque tinha sono e não havia lá cama. Gostei, mas em Odivelas não tenho outro, e pode ser que não consiga decorar aquelas músicas todas antes de ser preciso fazer algum espectáculo de final do ano e assim.
Sou mesmo bom é a bater com a colher nos pratos, e ponho a mãe aos saltos em três tempos só a arrastar as tampas dos tachos no chão da cozinha. Choco os cubos de madeira da casa da quinta com uma força que se torna difícil ouvir a Heidi perguntar aquelas coisas todas ao avozinho. E, claro, já vos tinha dado umas pistas: tenho uma óbvia inclinação para soprano.
Eram três da manhã, e eu assim a pensar: Maria Callas, embrulha!

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Febre

A minha caneca do Puff está com chá ali em cima.
Não brincou comigo. Não me levou à escola. Passou o dia na cama. Ignorou-me quando cheguei com os avós. E foram eles a fazer a papa, a dar o banho, a dar a sopa. Nem um beijinho de boa noite.
Mais que evidente que não gosta de mim como dantes. Triste.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Calor

Mil e uma coisas que precisas de saber
antes de crescer (por Riq Afonso)
Parte para juntar a esta e esta
Número 1: Banho às três da manhã não é para lavar, é para refrescar. Eles estão com sono, e escusas de pedir a baleia.
Número 2: Se tens de ir para a varanda por causa do calor de madrugada, leva uma venda ou uns óculos de goalball. É difícil adormecer a dizer "a buz" para tanto candeeiro.

Número 3: Por muito que apontes, a meio da noite ninguém te percebe se pedires para ouvir o Dartacão na aparelhagem. Contenta-te com o que ela canta, e vê se dormes, que passa mais rápido.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Casa

Tenho um espaço no recreio onde vou brincar quando faz vento. Quando o senhor do nariz vermelho veio ter com os meninos e muitos choraram com medo da maquilhagem, eu tratei de entrar lá, ver se tudo funcionava, sair, voltar a entrar, sair, entrar, dentro, fora, até as educadoras ficarem tontas e o senhor ir embora, com as suas botas grandes e o laço às flores.

Claro que gosto de escorregas, bancos de jardim, baloiços e traves com cordas. Mas uma casa é sempre uma casa. Mesmo que lhe falte a faxina e tenha folhas secas nos cantos, posso sempre ir lá abrir-lhe as janelas. Não vá aparecer alguma visita. E eu gosto de arejar as ideias.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Óleo

A casa da avó de Leiria tem a porta avariada desde que me lembro. Vai para se fechar e não fecha, roça no chão e não desliza. Logo, dificilmente trilha os dedos. Por isto e por ter fitinhas de fora, deixam-me brincar quando eu quero.
Acontece como com os telemóveis, os comandos de televisão e o rádio despertador. Só passam para o meu cesto quando já não funcionam nem com uma semana ligados è ficha. Claro que brinco um bocado, a ver se os consigo compor, mas rapidamente me passa o interesse.
Deduzo que posso até entalar-me, mas uma coisa destas que não desliza... tarda nada vem para o meu quarto. E não está certo: depois fico com mais portas do que sapatos que sirvam. Portanto tratem lá de pôr óleo nas dobradiças.
Depois tragam também para o meu carro. Podem deitar por cima, que não tem buraco.
Se faz favor. Obrigado.

sábado, 24 de julho de 2010

Adaptações

Este chapéu azul é dois tamanhos maior do que devia. Comprei-o num sábado de manhã, quando íamos beber café e por toda a casa só encontrávamos um panamá que o primo emprestou, e toda a gente sabe que os panamás são para os bebés que ainda não andam.
Fazia um sol poderoso, daqueles que piscam os olhos e põem tudo claro, e a mãe não teve outro remédio que não ir comigo à loja procurar um boné giro, claro, que eu aprovasse.
Os fabricantes, que devem ser uns senhores espertos, acham que tudo o que nos aperta faz mal, só porque relinchamos um bocadinho quando nos põem o cinto da cadeira do carro. Mas compreendam: faz pouco sentido um boné não vir até às orelhas; o azul-bebé e o branquinho lindo sujam-se que se farta; e pala que não abaule sobre a testa dá-nos certamente menos estilo do que o que queremos ter quando passamos por alguma miúda no parque.
Assim, tivemos de comprar um de crescido. Apertámos atrás na fivela, e serve.

Prà semana a ver se escondo mais uns quantos.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Histórias

As riscas dos livros do mano são muito difíceis de ler. Se eu puder escolher, gosto de páginas com bonecos.
Desde que aprendi a sentar-me que a malta cá de casa gosta de me contar uma história. Nem sempre é preciso ter um livro à frente. Na maioria das vezes, põem-me no chão entre as pernas, aconchegam-me com os joelhos e deixam-me folhear para trás e para diante, as vezes que eu quiser, até encontrar, por exemplo, um tiquetaque e ter de ir ver se o outro sempre está na parede da cozinha, ou um popó, e ter de ir buscar o que está estacionado na sala.
Para Os Três Porquinhos basta parar na cadeira da cozinha. Hoje voltei a ouvir sobre eles, ao pequeno-almoço. Quando ela disse "Eu vou soprar, eu vou soprar, e a tua casa vai voaaar!", voou mesmo tudo, até o prato da papa.
Sim, nem sempre bate bem da cabeça, mas não posso fazer nada. É a mãe que tenho.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Prenda

Três meses a brincar com os carrinhos de linhas. A gramar com o som do pedal da máquina de costura sem gritar com medo. A ter de ceder um cabide que ficava tão bem com o meu blusão de ganga novo para ela forrar e meter no meio do tecido. A acarretar os brinquedos para o nono andar com ela a não me ligar nenhuma. A ver aquela coisa das fraldas a ser cosida e descosida, e o urso recortado.
Depois foi para o outro. O bebé. As minhas fraldas continuam num cesto quadrado, em cima da cama.
Definitivamente, é pouco justo.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Baloiço



Juro que tentei pôr-me a jeito.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Moldes

Os crescidos gostam de andar sempre um passo à frente e acham que têm tudo controlado. Mas de pequenino nos fazemos e eu tenho-me feito.
Ora vejam: com meia dúzia de dentes, já os avós do Cacém me traziam uma colher com um cabo com um boneco a que eu não liguei grande coisa. Ontem, colher igual, o mesmo boneco, num pack de iogurtes diferente. Quando todos pensavam que eu não estava nem aí, zás!, toca a fazer uma birra para o pai dar a sopa dele por essa e só por essa colherinha.
Outro exemplo: passo o dia a dizer mamã, mano, pai, papa. Quando chega alguém, "diz lá, querido", e da boca do Riq, por mais que espremam, tenham lá paciência mas só sai "dadá".
Percebam: é quando eu quero; não quando vocês mandam.
Cada um com as suas manias. E fazermo-nos despercebidos também tem as suas coisas boas.
Aposto que davam o vosso melhor pedaço de papa para poderem esquecer os problemas só com uma sessão de cócegas no pescoço.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Hábitos

Regressei de férias.
Não há cá mais subir e descer escadas quando quero, que vivo no oitavo andar e bate lá o sol. Acabaram-se os restaurantes com cadeiras suspensas, empregados simpáticos a pegar em mim ou a papa fresca do chefe todos os dias. Banhos de sol só para o ano, bem como as aulas de ginástica ao ar livre e a piscina com água fria.
Sobra-me os brinquedos de sempre, o pai a aquecer o jantar e a banheira.
Pelo sorriso de hoje, não me importo. No fundo, é disto que gosto.

domingo, 18 de julho de 2010

Castelo

Já contei aqui que nos últimos tempos adoro escadas. E faço questão de subi-las sozinho, que já o sei. Demoro um bocado, pois bem, que estou a aprender, mas consigo sempre.
Hoje havia lá muitas, ao meio-dia. Das de pedra, altas, muitos degraus, ao sol.
Tantos, que deixei que em grande parte me levassem ao colo. Não que me sentisse cansado nem que fizesse calor.
Eles é que estão sempre doidos por me pegar. E eu, claro, faço-lhes a vontade.

sábado, 17 de julho de 2010

Rugas

A julgar pelas rugas nos dedos quando saio da piscina, estou evidentemente a envelhecer. Daí a capacidade para analisar estas coisas.
Bem sei que estamos em crise. Que temos muitas contas para pagar e coisa e tal. Mas será mesmo preciso mudarmo-nos todos para o mesmo quarto do hotel?
Não digo que não esteja a gostar disto. Da piscina e dos senhores do restaurante, especialmente. E das escadas que subo e desço muitas vezes.
Mas olhar para os quadros abstractos aqui espalhados dá que pensar nesta poupança. Não é que sejam feios. Mas ao menos no meu quarto é evidente quando são zebras, leões, joaninhas.
Sem querer dar parte de fraco. É daquelas coisas que nos vem com a maturidade. Mas, malta, admito: começo a ter uma certa saudade.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Pinóquio


Quando nasceram os filhos do pato mau que conheci ao pé do parque, ele deu umas bicadas que estragaram logo dois. Diz o senhor que trata deles que foram enterrados nas traseiras do café onde se deita pãozinho ao lago.
Ontem também me nasceu mais um primo. Certamente que houve pinocada. Consta que tanto ele como a tia estão no hospital a curar-se.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Saltos

A noite que passou tomei o primeiro biberão às onze e meia. A mãe anda um bocado preocupada com o barulho e os senhores do quarto ao lado, e como eu não me calo sem um leitinho o segundo foi às três da manhã. Felizmente o resto da noite aguentei-me com o copo da água, senão, diz ela, ia a rebolar para comer a papa da fruta que há no restaurante ao pequeno-almoço.
Preocupa-se em vão. Estou completamente em forma. O meu nariz continua a pingar e o vento não nos deixa ir à piscina, é certo. Mas quer eu quer o mano temos feito alguma ginástica para queimar calorias. Ele pedala na bicicleta e levanta coisas que o põem a suar. Eu, além de não me cansar de subir escadas sozinho só com a ajuda do corrimão, gosto de participar nas aulas ao ar livre que eles têm cá no hotel, e vou dando uma mãozinha ao senhor de microfone que grita para as senhoras que estão em cima dos trampolins redondos.
Farto-me de dançar, de dar ordens, de conhecer pessoas. A dona do hotel, por exemplo, dá-me passou-bens sempre que me vê e já me avisou para eu não lhe estragar as cortinas. É um bocadinho esquecida e insiste é em chamar-me Guilherme.
Eu não sou o Guilherme. Mas, se ela me der um trampolim daqueles para eu saltar depois das férias, pode chamar-me o que quiser. Assim eu levava-o lá para casa, tipo souvenir...

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Beja

Dizem que Beja é muito quente, mas até agora só tenho visto vento. O barco do Noddy, que os primos me emprestaram para eu trazer, mais parece um avião, e várias vezes tivemos de ir buscá-lo ao pé das rosas. Por falar nisso, agora perde o ar, deve ter um buraco.
O mano está mais moreno que eu, mas não é destas férias, porque vai mais ao ginásio do que à piscina. Quando lá vou vê-lo levantar pesos, converso com o professor dele, que me empresta umas bolas.
Eu tenho uma certa facilidade em me dar com as pessoas, sabem, e faço muitos amigos. A senhora da recepção só não ficou mais minha amiga logo à chegada porque eu tinha feito um cocó na viagem e poderia não cheirar tão bem como de costume, mas o senhor do restaurante já me pega ao colo e tudo enquanto a mãe come a sopa (boa sopa, a deles, aqui), e um senhor grande perguntou-me como é que eu estava lá na língua dele enquanto eu subia mais uma vez as escadas de acesso ao quarto.
Ah! Ao almoço, uma senhora sem óculos achou que o mano era o meu pai e ele, que acha que o empregado de mesa é igual ao director de turma, escangalhou-se a rir quando ele trouxe a sopa.
De resto, tenho passado grande parte do dia assim: a espreitar por tudo, debruçado em tudo, a fugir para todo o lado. Eles queixam-se de dores nas costas. Quando estou sossegado, é porque estou entretido com alguma coisa. Por exemplo, descobri uns bichinhos novos que se bronzeiam à tona da piscina. A boiar, de costas. Também não posso meter à boca, a mãe não deixa. Deve ser do cloro.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Aragem

Mangas compridas no Verão em Beja. Não lembra o diabo, pois não? Não tenho foto para isto (a máquina estava na mala, pus esta de mim com o mano), mas hoje tivemos de gramar com uma camisola para sair depois do jantar.
A mãe não teve um dia fácil. O carro do pai andou duas vezes de reboque. Eu não vi. Parece que se escangalhou lá qualquer coisa, e o senhor que põe o óleo quando o avô vai fazer as revisões todas disse que o motor estava tão-tão escangalhado que tinha de chamar o reboque outra vez para ir a outro senhor que o soubesse arranjar. Nada de especial não acontecesse exactamente quando devíamos ir de férias para o Alentejo, onde parece que faz calor. Só nos sobrou o carro dela, que só tem solfagem para arejar e treme um bocado nas ultrapassagens.
Assim que aterrámos no hotel, eu e o mano ajudámos a desfazer as malas. As roupas em montinhos e eu contava, para ver se não faltava nada. Tipo, sete T-shirts: eu tiro e vejo se estão sete. Uma, duas – olha, esta tem um desenho tão giro, ponho para o outro lado –, três – berloques, esta tem berloques! E fitas! A outra tem fitas! Deixa cá provar. Sim, perco-me, e daí?
O mano tratou de ajudar. No controlo: não mexe ali, não mexe aqui, chiu que fazes barulho e os vizinhos do quarto ao lado vão queixar-se à recepção.
Nem se pode dizer que tenha corrido mal: até agora, já subi e desci as escadas até ao nosso andar umas dezoito vezes, explorei os candeeiros que iluminam a piscina lá fora até me fartar e fui cumprimentar uns senhores que estavam a fazer uma churrascada. De regresso, vim nos ombros do mano. Mas olhem, querem saber? Até está fresquinho. Tanto, que até me habituei à camisola. Tanto eu como o mano.
Não lembra o diabo, mas ela ficou contente.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Treinos

Mil e uma coisas que precisas de saber
antes de crescer (por Riq Afonso)
Outra parte
Número 1: Os lápis de cera parecem melhor do que sabem. Acreditem, é melhor pedir papa.
Número 2: Só vale a pena cerrar os dentes ao xarope antes de aparecerem os risquinhos azuis na cara deles. Depois, ou tomas... ou tomas com a seringa.
Número 3: Os pirolitos não são doces. Nunca se deve participar nas apresentações da piscina depois de faltar às aulas.
Número 4: Por muito que treines com as torres de cubos, nem tudo o que cai ao chão merece palminhas. Parece que aquela coisa do aerossol custou muito dinheiro.

domingo, 11 de julho de 2010

Tampões

Queridos vizinhos,
Eu sou o Riq, o vizinho de cima e do lado.
Sei que tenho feito um bocado de barulho. Escrevo para vos pedir desculpa. Não faço por mal. É a ver se eles param. Não gosto mesmo destes tratamentos...
Se não conseguirem dormir com os gritos, experimentem pôr a almofada por cima da cabeça, como o mano faz, para abafar. Ele diz que resulta. Também tenho chuchas a mais que posso emprestar, se vos der jeito...
De resto, vou de férias. Aproveitem para descansar durante a semana. O pai fica, a ver se dorme. Se eu piorar, regresso.
Riq
PS - Já agora, escusam de vir à porta sempre que lá vou bater. Ando a treinar. Não é para abrir. Obrigado.

sábado, 10 de julho de 2010

Aerossol

Está decidido. Vou-me embora.
Estou farto, percebem? E sei muito bem que a partir dos 18 já se pode sair de casa. Eu um destes dias fiz 18, portanto, estou só a ver se consigo arranjar uma mala para pôr lá as minhas coisas e... adeuzinho. Se quiserem, vão procurar-me a casa da avó.
Já não bastava a estafa do hospital, agora parece que não se faz mais nada senão andar com o tubo do aspirador a fazer aerossol cá em casa. Eu odeio, malta! Odeio! Quantas vezes mais tenho de dizer isto?
Mas eles não páram. Pegam no soro, deitam a ampola e, quando eu estou mesmo a conseguir fugir da casa de banho agarram-me para eu respirar aquela coisa do tubo. Duas, três, quatro, mil vezes por dia, sem exagero! A sério!
Ora eu tenho os meus compromissos. Este fim-de-semana, por exemplo, o mano joga goalball e eu já tinha combinado ir dar uma mãozinha. As bolas são maiores que eu e têm guizos para eles as poderem ver de olhos fechados, mas eu consigo arrastá-las tão ou melhor que aquele cão que às vezes lá vai também.
Poupem-me! Querem ir à jornada com o aspirador atrás? Fazer-me uma sessão de aerossol na bancada? E a minha reputação? Deixem-se de coisas, tá? Eu não conto a ninguém. Nem à médica, nem à enfermeira.
Por falar nisso... Ia jurar que tínhamos as picas dos 18 meses marcadas para ontem. Ops! Não vou gostar de lá estar quando ligares ao enfermeiro, mãe. Não vou não...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Dias grandes

Os pés da frente da cama do meu quarto estão apoiados em dois dicionários. Foi a médica lá na Estefânia que se lembrou desta inovação, para ver se eu respiro melhor assim inclinado.
Está na cara: estou doente outra vez. Mas quem não parece andar com os pirolitos muito no sítio é a mãe. De manhã, ligámos à pediatra, claro que com este calor está na praia. Como não dava, seguimos para o centro de saúde e ficámos lá um bocadinho a gritar com a senhora do balcão. Quando dei conta, já estávamos na Estefânia a ver se estacionávamos. Eu ia um bocadinho maldisposto e vomitei pelo caminho, e lugar para estacionar, nem de lado. "Eu bem te disse, mãe, devíamos ter trazido o meu carro..."
A mãe entrou em pânico e, quando veio um senhor dizer que não podíamos estar com o carro do pai ali parado, agarrou-se a ele a chorar tanto como se lhe tivessem tirado um boneco. Claro que ficaram amigos logo, porque ela lhe deu as chaves e correu comigo para a urgência.

Passámos um dia a enfiar tubos e vapores pelo nariz, tirar fotografias e comer xaropes, e só quando comecei a dar parte de fraco, e a não lutar tanto com o braço dela, me deixaram vir embora. Fomos à farmácia e viemos para casa. Fazer vapores e comer xaropes.
Depois a mãe não ficou a ver televisão durante a noite. Nem a passar a ferro, nem a arrumar a cozinha. Parece-me que ouvi um baq! quando caiu na cama mal me pôs a dormir.
Ai, a minha vida. Parece-me que esta semana já não volto à piscina...

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Calores

Alguém ligou o cobertor eléctrico da avó na minha cama. Ninguém me convence do contrário. A sério! Esta noite, quanto mais me tentava esfriar gritando um bocado a ver se passava, mais o colchão do meu quarto fervia, fervia, e eu não havia meio de dormir.
Até o meu urso de ganga, que não é rapaz de muitas palavras, concorda comigo quando digo que naquela cama tem estado um calor que não se pode. Claro que tenho tratado de me queixar. E não deixo ninguém dormir. Quer dizer, quem quiser que durma, se conseguir...
No fim-de-semana passado, fui aos anos de uma menina com uma sorte dos diabos. Não só tem um megacolchão fresquinho onde a malta pode saltar, como o dito-cujo vem da loja com muitos meninos e meninas que lhe tornam a sesta de certeza muito mais divertida.
Assim também eu dormia! Já que andam com tanto sono, vocês podiam comprar-me uma coisa dessas...
E, mãe, escusas de te pôr a gritar a meio da noite e a dizer aquelas coisas. Ora, ora... pendurar-me "no estendal de cabeça para baixo"... Achas bem, mãe, achas? Se ainda fosse fechar-me no frigorífico de castigo...
Posso?...

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Piscina

Adoro água. Esqueçam os sumos. Adoro bebê-la. Depois, sabem, nunca chorei com o banho, dentro e fora de casa (o da foto é na rua, em Castelo Branco). E, se me deixassem uma tarde inteira com o balde da varanda, estou certo de que faria um bom trabalho a regar os vasos.

Mas parece que ninguém confia em mim, e fico zangado. Não me deixam a tomar banho sozinho, que me afogo. Não posso levar o copo de água comigo para o quarto, que molho tudo. E na varanda, claro está, parece que entorno um bocado, e o piso fica escorregadio, pelo que nem sempre sobra para as plantas.

Agora montaram umas piscinas insufláveis lá no recreio da escola, e tenho andado mais bem-disposto. Consta que sou o único da minha turma que não chora, que corro, salto, brinco, chapinho, faço trinta por uma piscina, enquanto não é hora de almoçar.

Faz tanto calor! E a água fresca sabe mesmo bem. Mas acontece que hoje tenho o meu cachaço meio vermelho pelo sol. Bem sei que não é fácil apanharem-me para me porem o creme, mas para a próxima corram mais rápido, sim? É que isto arde um bocado.

Ainda que eu ache que não há creme que resista à energia da mangueira que eles têm lá para molhar a malta...

terça-feira, 6 de julho de 2010

Brinquedo

Hoje a mãe foi às compras e trouxe-me um presente.

Ela não gosta de hipermercados, por isso, normalmente não vai. Quando precisamos de iogurtes ou bolachas ou coisa assim, ela vai ao computador. Fecha-se no quarto do mano com os papéis que estão pendurados no exaustor, clica, clica, clica uma data de tempo, e no dia seguinte um senhor com bigodes traz os caixotes com os sacos para a nossa casa. Ela paga, e estão as compras feitas.
Mais raro ainda é ela trazer-me uma prenda que não se vista, não se coma, nem sirva para untar a minha piloca.
Mas hoje, incrível, trouxe-me legos. Tijolos? Talvez um puzzle... Bem vistas as coisas, eu não sei muito bem o que aquilo era. Mal a mãe chegou, entretive-me a encavalitá-los (pesados!, mas eu sou forte), a abrir as portinhas que têm em cima (abrir e fechar, abrir e fechar, abrir e fechar) e a oferecê-los ao pai, palminhas!, e à mãe, palminhas!, e ao pai, palminhas!, e à mãe...
Mais de uma hora nisto. A dada altura já transpirava, mas continuava. Antes de dormir, tiraram-mos e puseram um no frigorífico.
Claro que não gostei. Toda a gente sabe que a argamassa não adere em tijolos húmidos...

domingo, 4 de julho de 2010

Escalada

Já sei trepar.
Ainda não tenho força para a minha cama nem para a cama do mano. Não chego para as cadeiras da sala nem para os móveis da cozinha. De resto, consigo tudo.
Trepo à cama do pai e da mãe, trepo aos sofás. Ao banquinho de pôr os pés para ver televisão. E à cadeira de baloiço. Até já me equilibro de pé.
Não preciso de picaretas, ventosas, cordas nem arnês.
Claro que dão jeito as meias, antiderrapantes, quando estou em casa. Mas também me safo sem elas.
Já na rua, é mais calçado. Nos últimos dias, com estas sandálias novas, que a mãe comprou.
Do Homem-Aranha, a engraçadinha.

Regras

Tenho uma certa aversão a linhas direitas. Riscas. Tiras, buracos na horizontal. Normalmente significam que não. Que não isto, que não aquilo. Que não posso mexer, lamber, comer. Que não posso passar por elas.
Nos bancos do jardim, por exemplo, formam-se entre as repas de madeira teias de aranha que gosto de apanhar com a mão toda e comer. Pois, não posso.

Os buracos das sarjetas, rectângulos de metal, cheios de papelinhos de cores diferentes, têm aqueles paus amarelos que os senhores atiram para o chão depois de fumarem os cigarros. Pois parece que são lixo. Não lhes posso tocar.

Já as cercas do parque significam que não posso passar. As saídas do ar condicionado, que não posso bater, e as frentes dos automóveis por onde passo na rua, que têm buracos cheios de insectos esmigalhados, parece que não, que não devo lamber.

Quando preciso de passar para o café, aquele que fica do outro lado da rua, já sei que nunca me deixam seguir em frente. Mandam as regras das riscas que só ao colo se passa por cima da zebra. É como porem-nos uma seta à frente e nos prenderem com uma trela.

Parecido com esta treta do oscilobatente. Tenho de passar para a varanda: sente-se fresquinho, vê-se uma frincha, mas vai-se a ver e o Riq não cabe na frincha.
Um dia vingo-me. Tenho mesmo de aprender a dizer "não".

sábado, 3 de julho de 2010

Nova época

Querido amigo,
Olá, tudo bem? Já não nos vemos desde o concerto, lembras-te? Estás melhor do galo? Desculpa lá, a mãe não fez de propósito, achava que te aguentavas sozinho, sentado como eu.
Às vezes ouço falar de ti. Parece que dormes a noite toda (como podes não desmaiar de fraqueza?) e que já cresceste muitos meses.
Ocorreu-me que pudéssemos formar uma equipa de futebol. Quando tivéssemos a mesma idade e assim. Eu treinava e jogava e tu ias apanhar bolas. Quanto aos equipamentos, consta que sabes ladrar e rugir, mas ruges melhor do que ladras, portanto pensei no verde. Parece-te bem?
Olha: e dá para escolher isostar em vez de leite nas maminhas da tua mãe?
Fico a aguardar.
Trata lá de aprender a andar.
Riq

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Rosetas

Já vos contei noutra altura que eu e o pai pertencemos ao grupo dos que não coram cá em casa sem estarem a correr. A mãe e o mano chegam a ficar encolhidos (imaginem, eles, que são tão grandes, pequeninos), só porque alguém disse alguma coisa de bom, de mau, de mais-ó-menos, sobre eles. Diz a mãe que às vezes nem sabe onde se enfiar quando lhe acontece ficar parecida com os pimentos da mercearia nova que abriu aqui na rua. E o mano normalmente desaparece da nossa vista quando alguém chama a atenção sobre a cor das bochechas.
A mãe bem costuma perguntar "você num tem vergonha de tar todo porco?", quando acabo de comer, ou "você num tem vergonha de fazer um cocó tum grande", quando... pronto, vocês sabem quando, mas ela sabe bem que não.
Digo sempre adeus aos senhores que chamam o meu nome, ponho o meu ar mais aplicado quando me perguntam se corro é prà escola e nem quando vou para o colo da minha educadora me descomponho.
Ah!, se calhar ainda não vos disse, mas eu tenho uma educadora nova. Ainda não a abraço forte como fazia com a antiga. Mas já deixei de chorar.
Sabem... não ser envergonhado não significa que às vezes não tenha vontade de me enfiar num buraco.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Coiso

Este molar do lado de cima custa a nascer como tudo. Há mais de semana e meia que tem uma pontinha de fora, faz comichão, dói-me, faz-me... coiso. Nem nasce nem deixa de nascer. E ao fim e ao cabo não está ali a fazer nada. Já como carninha rija desde os seis meses e nunca precisei destes moedores extras. Portanto, são perfeitamente dispensáveis. Alguém me dá o contacto do senhor responsável pela plantação destes dentes para eu lhe explicar o meu ponto de vista? Não preciso deste nem de mais nenhum. Obrigado.
Um caso parecido com este é o do meu primo mais novo. Já nem sei há quanto tempo ando a fazer a lista de brinquedos que infelizmente não lhe posso emprestar porque ele vai estragar... e não há meio de nascer! A tia está mais inchada do que a minha gengiva e o Gui nem se digna a telefonar a explicar o atraso.
Se por acaso lhe falarem lá da máquina das ecografias, digam-lhe se faz favor que eu preciso de comunicar com ele. Para pôr os pontos nos is. E, pois bem, organizar os meus baldes para férias.
Claro que preciso deles todos, para fazer um castelo.