terça-feira, 31 de agosto de 2010

Moedas

Pouco tempo tinha passado de eu ter nascido, e já este meu avô de cá dizia que não via a hora de eu começar a andar pela mão dele a puxá-lo numa loja ou no supermercado, a pedir isto e aquilo. Dizia que não sabia como ia resistir sem me comprar o que eu pedisse.
A mãe, claro, que tem a mania de ter umas teorias, nessa altura trepava às árvores e engolia em seco antes de debitar uma história qualquer sobre as crianças não poderem ter tudo o que pedem e deverem habituar-se a prendas nos anos e pouco mais.
Claro que, se tivéssemos cá em casa levado esta história à letra, eu estaria verdadeiramente mordido pelos macacos, porque, que me lembre, ainda só tive uma festa de anos. Mas adiante.
Este avô de cá, dizia eu, gosta muito de compras. Às vezes compra às cinco mangas de uma vez só porque estão em promoção - e então andamos a comer manga a semana inteira -, tem uma colecção de cinquenta relógios despertadores, não vá algum variar, e dá muitas vezes uma moeda em troca de um brinquedo que quase-quase funciona, mas que um senhor se lembrou de levar para a feira para vender.
Este piano, por exemplo, que está na foto: parece que lhe falta uma tecla. Mas eu nem ligo. Se o resto fizer barulho, tá-se, e eu... adoro. Por essas e por outras é que me parece que, à parte alguns pormenores, sou bastante fácil de sustentar.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Fintas

Às vezes vai a sair, às vezes vai a chegar e tem de trabalhar. Vou ao quarto buscar não sei o quê para lhe mostrar e, trufas!, já lá não está.
Nos últimos tempos, parece o homem invisível, mas em versão mãe. Sempre a fugir, sempre a fugir.

domingo, 29 de agosto de 2010

Jacaré

Nos papéis ainda só faço rabiscos, mas há quem escreva histórias. Uma das preferidas da mãe é esta que conto a seguir:
Uma vez um jacaré ouviu dizer que o elefante tinha uns belos dentes de marfim. Dois: grandes, ENORMES. Toda a gente falava dos dentes do elefante, assim pesados, recurvos, cobiçados pelos caçadores para com eles fazerem adornos para as mulheres usarem.
Então o jacaré, que era muito estúpido, mas muito convencido de si mesmo, fez um trejeito de desdém e disse para o passarinho que lhe viera com a notícia: "Ora, ora. Ele só tem dois dentes. E então eu, que tenho a boca cheia deles?" Claro que o passarinho se surpreendeu. "Mas de marfim? Não sabia..."
O jacaré ficou furioso. "Pois não. Não sabes tu nem sabe ninguém, porque eu não ando para aí a mostrá-los, como o elefante! Mas a partir de hoje vocês vão passar a vê-los e a admirá-los, ora essa!"
E vai daí, veio a nadar até à margem do rio, pôs meio corpo fora da água, espapaçado na areia, escancarou a bocarra e ali ficou a exibir a dentuça.

Passou um dia, passou uma semana, passou um mês, e ele sempre no mesmo sítio, imóvel e de boca aberta, todo orgulhoso da exibição que fazia. E como não queria que ninguém que por ali passasse perdesse o que ele julgava ser o maravilhoso espectáculo da sua bela dentadura, nunca mais fechou a boca, nem mesmo para comer. Até que acabou por morrer de fome. (Guilherme de Melo, Os Leões não Dormem Esta Noite)
Normalmente acaba de ler e depois fica calada, assim, a olhar para mim. E dá-me os lápis e uma folha, para eu fazer uma história. E eu com ar de quem acabou de ouvir a bula dos supositórios para a febre. É que gosto de ouvir, sim. Mas estas histórias complicadas... não percebo tudo. Acho piada e tal, quando ela diz ENOOORMES, mas não percebo aquele olhar sem dizer nada, típico de estou aqui a falar e tu não fazes a mínima ideia.
Nã, assim não gosto. Ao menos nos três porquinhos, normalmente há palhaçada.

sábado, 28 de agosto de 2010

Via verde

Em casa não gosto de ver ninguém com a porta fechada. Agora que aprendi a dar aquele jeito aos puxadores, tenho mostrado à malta que não há segredos para ninguém. E que mesmo a casa de banho, até quando a mãe está ocupada, é um bom sítio para fazer um puzzle ou para enfiar aquelas formas nos buracos.
Claro que eu, por ser eu, posso entrar e fazer companhia, porque sou assim importante. Já o mano tem de ficar lá fora, o pai tem de esperar a vez dele e os avós nem tentam: vão lendo as revistas todas sentados no sofá até que ela se despache.
Quando vamos no carro e os outros estão parados - vêm quando passamos depressa por baixo das portagens? -, acontece o mesmo. Desiludam-se: não tem nada a ver com aquela caixa cinzenta que o pai lá tem colada, onde nem um boneco verde aparece. É tudo porque eu vou lá dentro.
Experimentem olhar para os carros em fila e ver se eu estou sentado em algum.
Não, pois não? Pois...

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Aragem

Ainda nem uma semana passou e já tenho saudades daquela gente: colo quando eu queria, papa onde eu queria, muita fruta e muito riso, tantos tombos sem dar conta. Árvores, verde, plantas, banhos ao ar livre...
Dizem que, desde que regressei, mal saio para o passeio pareço um gato a fugir da água, uma folha em dia de vento, um cão sem dono.
A questão não é gostar de ser livre, ter-me habituado à liberdade e ao campo ou então à falta de trela. É tão-somente o vento. A sério. Não tem corrido nenhum, sabem, faz imenso calor a caminho do parque. Portanto se andarmos muito depressa sempre há uma aragem. É essa a razão, pois bem.
Claro que também é giro ver os avós atrás de mim a correr, mas isso são outras histórias...

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Esclarecimento

Era esta a barriga de que eu falava ontem.
Hoje não tenho pintas.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Moscas

Naquela barriga redonda que eu escondo debaixo da minha camisola, às vezes aparecem umas coisitas que eu coço. Começa logo tudo a dizer que há melgas, não se liga a luz depois de o sol se pôr e o jornal passa a andar enrolado, assim parecido com o canudo do rolo de cozinha que eu gastei todo depois de cuspir a papa.
A maioria das vezes, já se sabe, anda tudo aos açoites às paredes, mas não há quem me mostre as devidas senhoras que me morderam, mesmo que digam "já foste" depois de uma cacetada num quadro qualquer.
Esta manhã, não se sabe de onde, apareceram umas pintinhas vermelhas quando me estava a vestir para ir para a escola. Posso deduzir que sejam uma reacção natural da minha pele ao padrão horroroso daquele pijama, que não há meio de se tingir sem querer na máquina com algum par de calças vermelhas-vivo, nem ficar com uma daquelas nódoas-que-não-saem e passar a pano do pó em três tempos.
Claro que ela foi logo procurar doenças com pintas aos livros todos. Mas eu tenho para mim que a coisa se resolvia assim como fez a avó de Castelo Branco na entrada da cozinha. Afinal, com o calor, andamos todos moles e com vontade de nos mordermos, não é só as moscas. E alcançar os puxadores das portas dá um trabalhão desgraçado. Assim como assim, seria mais fácil com fitas nas portas.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Pormenores

O telemóvel do mano foi a lavar com os calções dele. Meia dúzia de voltas na máquina e já estava decidido que passaria a ser o meu telefone. Agora não faz barulho quando carregamos nas teclas, não toca quando alguém telefona nem apita quando está a ficar sem bateria.

Obviamente que agora não gosto. Não sou eu que sou esquisito com as coisas nem tenho a mania que só posso ter tudo novo. Mas, bolas, ao menos as luzinhas da praxe...

domingo, 22 de agosto de 2010

Duas semanas
















Meia dúzia de dias. Quase nem dei por nada... Não percebo porque diz ela que eu pareço mais alto...

sábado, 21 de agosto de 2010

Despedida

As temperaturas subiram e não havia vento. Deu para me despedir da bacia e do pôr do Sol. Amanhã voltamos para Lisboa. Depois do banho e do jantar da avó. No carro, com os dentes lavados e o pijama vestido.
Para ao pé da mãe.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Relatório VIII

Como eu aprendi a dormir a noite de seguida, pela voz do pai, que me tem cansado.
Hoje de manhã o Riq ajudou a avó a regar, segurando na mangueira para dar folga e não estragar as plantas. À tarde descobriu uma almofada no assento do carro de mão, onde o mano estava deitado, e quis usá-la para dar uma volta. E à noite decidiu que nada como testar o colchão da própria cama do quarto, que estava tão, tão fofinho que só o deixou acordar já era de dia.
Estivill, embrulha.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Mais uma carta: relatório VII

- Hoje a agenda do Kaiser e do Riq coincidiu finalmente, e eles lá tiveram um bocadinho para trocar impressões (e bolo) através da cerca.

- mais que uma vez, o Riq foi fazer vistoria às plantas do canteiro da avó, em especial àquelas que têm uma telha a protegê-las do sol: aponta insistentemente, exige afastar a telha para ver se a planta está bem, toca na planta e ajeita a telha no sítio, para depois passarmos à planta-com-telha seguinte, de novo com urgência;


- o mano continua numa de treino físico, mas, vá-se lá saber porquê, apesar de o Riq gostar, aquele exercício mais exigente que o leva aos ombros, põe de cabeça para baixo e o faz fugir de um perigo qualquer foi boicotado de imediato pelo pai;


- com todos a apanhar fruta, o Riq quis ajudar: segurou na escada, mas, como o avô não estava a despachar-se, subiu ele próprio os degraus e colheu alguns figos para levar.

No sábado estou de volta. Acho que vou ter saudades...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Relatório VI

Diz o pai:

Hoje ao fim da tarde ele que não gosta de fruta deliciou-se a comer melancia. Mesmo depois de ter comido o lanche todo. Só que se sujou um bocadinho. Vá, muito. Depois teve de andar um pouco só de fralda, enquanto fazia tempo para o banho, e a água aquecia na panela. Entretanto, deu umas voltas de carro de mão, passeou no monte da sarrisca e foi ajudar a avó a tratar das plantas.
Aquecida a água, tentou ir para o alguidar com fralda e sandálias e tudo, mas acabou por ter de encaixar a nega imediata do pai e da avó.
Jantou que foi uma beleza. Como aprendeu a trepar pelas cadeiras, agora temos sempre desporto radical à hora das refeições. Depois do cocó habitual, com fralda nova e dentes lavados, adormeceu ferrado, tal como o deitaram na cama.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Relatório V

Mais uma carta do pai prà mãe. A contar como eu ando ocupado, aqui em Castelo Branco.
O Riq:
- de manhã bem cedo brinca com as molas, as tampinhas, o carro, o barco, as bolas e os brinquedos todos, sentado na manta na garagem onde o carro do avô já não cabe;
- gosta de reinar com os buracos à altura dele instalados nos postes de iluminação, a passar as mãos e a sorrir para o outro lado;
- vai todos os dias de manhã para o portão do tio Zé cumprimentar o
Kaiser, e é sempre algo difícil convencê-lo a sair de lá;
- no caminho, perde-se um bocado com as folhas estaladiças, muros com buracos e buracos com muros;
- às cavalitas, ri a bom rir quando o pai desastrado passa pelas folhagens e ramagens baixas;
- ajudou o avô a levar as compras, da mala do carro para a mão da avó: pacotes de leite, garrafas de água, e uns panfletos muito importantes;
- carrega em todos os interruptores, em especial os das escadas (que por acaso não funcionam e só lá estão a enfeitar);
- e adora andar de carrinho de mão.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Relatório IV

O Riq:
- acordou só uma vez esta noite, lá pela uma da matina, recuperou a chucha perdida e mudou a fralda, e voltou a adormecer até às sete, que já se tornou a hora normal de acordar;
- de manhã, depois do leite, com o sol ainda baixo, gosta de ir com a avó visitar as plantinhas;
- mais do que o monte da sarrisca, o monte de areia é uma tentação: nada melhor do que meter lá os pés e vir ter com a avó para ela tirar a areia de dentro das sandálias, uma vez, e outra vez, e outra vez;
- tem mais um dente a nascer e não é desta que não dói;
- anda a testar com afinco a resistência dos candeeiros solares que o avô plantou à volta da casa;
- quando todos achavam que ele não gostava da cancela que o avô arranjou, foi buscá-la e arrastou-a até à porta o mais que pode, até que alguém ajudou o bocadinho que faltava e a fixou e assim ele já pode reclamar por ela não o deixar ir para a rua;
- no Corolla, já liga os quatro piscas e os máximos, ajeita as mudanças e abre as portas;
- andou de tractor ao colo do avô, a orientar a condução e a coordenar a rega
(ó pai, risca lá essa, que a mãe é capaz de se preocupar...);
- e recebeu do avô um dado aperta-para-relaxar que testou de vários ângulos e que acabou o dia com um bocado a menos...

domingo, 15 de agosto de 2010

Relatório III

Mais uma do baú das correspondências:
Hoje o Riq:
- foi levar o lixo com o pai e acabou às cavalitas, para não demorar uma hora só para chegar ao contentor;

- quando anda assim gosta de falar ao ouvido, meter o chapéu na nossa cabeça e soltar o velcro das sandálias;

- andou no carro do avô, da casa até ao portão, e adorou
(a mãe não pode saber desta);
- meteu a cabeça no balde e gritou para ouvir o eco, tal como o pai;

- fez uma sesta de três horas, com alguns intervalos em que acordou, procurou alguém por perto, e como a avó estava na cama ao lado aconchegou-se na almofada e continuou a dormir;

- além de sintonizar a televisão, também ajusta as cores, a luminosidade e o som;

- espera ansiosamente mais uma viagem e, pelo sim pelo não, de vez em quando agarra-se à caixa do tractor para treinar.

sábado, 14 de agosto de 2010

Férias

O lixo lá de casa não há meio de encher. O pó e o cotão são difíceis de achar. Não há carrinhos no meio do chão, banheiras com brinquedos molhados para esvaziar. Não precisa de estar sempre a preparar sopa, tem mais do que tempo para trabalhar. No fundo, ela deve andar a descansar.
Assim tipo eu nas escadas. Acho.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Relatório II

A mãe continua em Lisboa e o pai volta a escrever:

Hoje o Riq:
- delirou com as ovelhas do vizinho a fugirem da água que o avô atirou para não comerem a horta;
- andou na bagageira do tractor, tocou várias vezes a buzina, analisou com cuidado o pisca-pisca e teceu fortes considerações sobre a organização do tablier;
- está a ganhar uma corzita e de tanto comer ostenta uma barriga jeitosa;
- tem as pernas meio arranhadas e com marcas afins, mas mesmo com guarda-costas a tempo inteiro é praticamente impossível evitar as mazelas, com tanto que se mexe e remexe (só estar assim já é um alívio);
- não parece ter medo do que quer que seja, a não ser de que o deixem a dormir sem ninguém por perto;
- e gosta de, todas as noites, sintonizar melhor os canais de televisão, apesar de nunca conseguir dar o trabalho por concluído.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Relatório

Carta do pai à mãe que ficou em Lisboa
O Riq:
- pega em peças de fruta por iniciativa própria e vai ratando, além de que trinca com gosto as que se lhe dão à refeição;
- sobe e desce de gatas as escadas várias vezes ao dia, gostando muito de parar num degrau e sentar-se, ainda para mais quando tem companhia, para ver a paisagem;
- de
lira com a luz que se acende automaticamente quando se entra e sai do andar de cima, com as dos candeeiros da rua, uma branca, outra amarela, e com as dos candeeiros solares;
- faz uma grande festa quando o Kaiser dá os seus latidos e ri a bom rir quando ele está solto e aos saltos do outro lado da cerca;
- na casa velha ao fundo da quinta, aponta com entusiasmo para tudo, acompanhado pela devida entoação sonora ("ooooooouuuuuuu");
- adora compor o pano que tapa a botija de gás e o caixote do lixo, por baixo do lava-loiça, na cozinha;
- fecha impecavelmente todas as portas abertas, incluindo as do frigorífico e do armário antigo;
- anda a estudar com minúcia o funcionamento do portão da quinta;
- toma banho todos os dias no maior alguidar que a avó tem, perto do sítio onde o mano molha os boxers e o resto;
- de noite para noite reclama menos para adormecer, além de acordar menos vezes;
- come normalmente muito bem, seja pequeno-almoço, almoço, lanche ou jantar, o pão do pai ou a carne com massa da avó;
- escolhe com cuidado as melhores pedrinhas da sarrisca, que vai amontoando nas mãos de quem quer que esteja a jeito;
- diverte-se a fazer transitar as molas da roupa entre o balde, a tigela e o alguidar;
- senta-se à mesa com os crescidos e aí fica sentado a ver o que pode alcançar;
- com o calor tem andado muito só de fralda, ou então com uma T-shirt;
- ajuda com afinco quando a avó se põe a regar;
- bebe muita água ao longo do dia, pelas garrafinhas para crianças que os avós compraram;
- dorme duas horas e tal durante a tarde, e nem com o helicóptero da Volta a Portugal acordou;
- só quer ir para a rua, não interessa que seja manhã ou noite, e nas horas de maior calor;
- não pode ir para a rua por causa daquele gradeamento que o avô se lembrou de colocar naquela entrada com fitas duplas;
- brinca muito com as fitas das portas;
- e uma destas manhãs arrancou do sítio um dos candeeiros solares que o avô tinha plantado nas traseiras...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Jogo

As bolas que não são nossas parece que deslizam sempre melhor. No outro dia no parque, estava eu a brincar com o Fefas, e veio uma menina ver se lhe tirava a bola. Eu bem lhe dizia que não, que brincar com as coisas dos outros não pode ser. Que aquela bola se era de alguém era minha, apesar de ser a do Fefas. Ele gritava para lha passar e eu só queria explicar que não dava para emprestar, que se a levasse para a minha casa, juntava-a às outras e era melhor.

O Fefas gritava que gritava, e eu abraçava a menina, que devia estar triste, pois bem, que eu estou nessa fase e ela também gostava, por eu não lhe emprestar a bola. E dava-lhe beijinhos e deixava-a dar abraços, sempre com a bola do Fefas na minha mão.

Quando saímos do parque, o Fefas, zangado comigo, levava a bola que a menina queria. E eu, preocupado com o jogo, apanhava do chão um pauzinho. Ficou com ele a mãe, a fazer de apito, que é preciso haver sempre um árbitro, quando os ânimos se exaltam.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Radical

O Stitch aos sábados de manhã galga uma onda em três tempos. O Bart, aquele amarelo, sai da bicicleta com o seu mortal. E o Mickey da minha T-shirt faz surf sempre que a ponho.
Eu tento fazer umas coisas sem skate, e não me deixam fazer nada...

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Mimo

Sei que beijinhos é coisa de bebé mas, tenham lá paciência, só o colo a mim não me chega.
Quando andam a tomar comprimidos e xaropes, já sei que não pode ser. Não há meio de conseguirem cantar uma baladinha sem tossirem, fungam o dia inteiro, e, para ser franco, não há quem os ature.
Mas, quando eles estão frescos, exijo sempre que posso a bela da beijoca na barriga ou aquele abracinho mais demorado - um direito que assiste a qualquer pessoa com mais de dez dentes.
A mãe tem espalhadas aquelas bíblias do Mário Cordeiro por tudo o que é casa de banho, e um dia destes ouvi-a ler que "o mimo é infinito e não faz mal a ninguém". Bem que a história de me deixar a chorar para ver se pegava nunca me soou grande coisa.
Agora, por exemplo, que estou em casa dos avós há dois ou três dias, com o pai e o mano, percebo o que querem dizer. Com tanto mimo, até já parece que gosto de fruta e, de noite, só uma aguita de vez em quando para esquecer o calor. Como me porto bem, dão-me mais beijinhos e, claro, mais colo. Mesmo para adormecer.
Aprendam comigo: o segredo está em saber dar-lhes a volta.

domingo, 8 de agosto de 2010

Ligações

Não há dia em que saia de casa sem voltar atrás. Ou porque se esqueceu das chaves. Ou porque não sabe dos óculos de sol. Ou então diz que tem a sensação de que se está "a esquecer de alguma coisa". Depois bate a porta ainda mais apressada do que da primeira vez a repetir "estou atrasada, estou atrasada", e normalmente eu e o pai ficamos a comentar que, afinal, não se esqueceu de nada.
Desde ontem que ficou em Lisboa, a trabalhar, e nós fomos de férias. Montámos o carro, pusemos o leite e as papas, guardámos o CD da abelha Maia, não fosse faltar alguma coisa em casa dos avós.
Já vi os cavalos e as galinhas. Passeei ao colo deles todos. E o banho ao ar livre, com este calor, é das coisas que sabem melhor.
Falamos ao telefone, eu e o mano, com ela. Mas, apesar de tudo, percebo-a.
É aquela sensação. Parece que me falta qualquer coisa.

sábado, 7 de agosto de 2010

Torre

Quando a malta cá em casa se põe a seleccionar a papelada, quero brincar com o ecoponto doméstico e, claro, não posso. Não se mexe porque tem pacotes e suja, ai isso não que são facturas e estão aos bocadinhos e eu espalho. Ora, poupem-me! Querem que tenha consciência ecológica ou não?
Talvez quando chegar ao topo daquelas torres percebam que eu já não sou nenhum bebé e me deixem fazer eu próprio a selecção por cores: os jornais da mãe no amarelo, as revistas do pai no verde, os papéis do mano no azul. Quê? Não é assim? Então as cores não são as das escovas de dentes? Ninguém vos entende, de facto...
Os meus livros é que ninguém deita fora. Não me parece que sobre cor no ecoponto para eles. Bem que tento pôr alguns no lixo quando a mãe leva as fraldas para o balde, mas eles, não, não deixam.
Nem todos cabem no meu caixote, sabem, ao pé da arca. Há aqueles mais fininhos que gosto de rasgar que só cabem é na estante, onde não chego. Então preciso urgentemente de arranjar espaço...

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Garagens

Gosto de fechaduras, fechos, trincos, buracos e chaves na porta. Vou para puxar e empurro, tiro os dedos se não me entalo, abano quando não consigo mesmo e fechoeabroefechoeabroefechoeabro.
Claro que isto me dá alguns problemas. E a eles, umas dores de cabeça.
Um dia destes, diz o pai, temos de arrombar a casa de banho.
E a minha fama, bem, cá no bairro, pois... já teve dias melhores...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Penachos

Quando saio do banho, com o cabelo molhado, o mano vem e penteia à surfista. Se a mãe me apanha e ainda não secou, cola-mo à cabeça como uma bailarina. Quando vou à cabeleireira em frente a casa, ela põe gel e faz-me uma poupa. Quando a sesta é longa e faz calor, da creche trago uma crista.
Devo ser aquilo a que eles chamam um gato-sapato.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uppercut

Eu já andava a treinar. Na televisão via umas coisas e tal. No Wrestling, estão a ver? Sempre que dá, a mãe muda de canal, mas já tinha conseguido captar alguns movimentos.
Hoje andava de pé na beirinha da cama. A andar para trás, como os caranguejos. A mãe gritava que eu ia cair, que eu ia cair. Quando lhe pareceu que eu me desequilibrava, agarrou-me. Claro que tratei de aplicar a técnica. Zás, com uma só cabeçada, ficou KO e com o nariz a sangrar.
Eu nem queria que ela se magoasse. Até gosto dela e tudo, e às vezes faz-me rir. Ainda mais agora, com nariz de palhaço.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Manual

Há duas noites não dormimos os dois. Nada, népias, nadita. Nem um minutinho sequer. A noite passada chorei até me faltarem as forças. Gostam? Fui para a escola com olheiras e muito sono. Nem força para brincar, nem fome para comer...
Está na cara que não funciona. Será que só eu é que acho que ela deve parar de ler aquilo? Quem é que aquele dr. Estivill pensa que é? Alguém me ajuda a tirar-lhes o livro, por favor?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Dança

Não há água que o pai traga no balde que ressuscite a hortência, cada vez mais murcha, os brincos-de-princesa, cada vez mais berloques sem cor, e aquelas castanhas que nasceram sem se saber como no vaso da salsa, com pétalas mais secas que as folhas de louro que a avó usa para temperar os assados.
O calor está a pôr os crescidos malucos, mas esquecendo a história de não se conseguir dormir com o suor eu até acho que tem coisas boas. Pelas ruas onde passeio, por todo o lado, as folhas secas parecem tudo menos mortas. Giram e rodopiam quando corro atrás delas e fazem cócegas nos pés quando as piso.
Nos últimos dias, até dentro do meu prédio, depois de se passar a porta de entrada, há um montão de folhas dessas a tapar o tapete. As senhoras da limpeza, que enceram lá o chão, gostam de resmungar com elas. Eu, quando passo, cumprimento-as e sorrio.
Afinal, se me seguiram, é porque gostam de brincar comigo.

domingo, 1 de agosto de 2010

Escorrega

Querida senhora presidente da câmara,
Olá, tudo bem? Eu sou o Riq.

Escrevo para pedir uma ajuda. No nosso parque, aqui no bairro, ali ao pé do café que tem o carro do Ruca, há um brinquedo escorregadio de que gosto bastante. O mais difícil é mesmo conseguir chegar lá acima. Pode por favor mandar forrar com um antiderrapante para ser mais fácil? Agradecido.

Um abraço,

Riq